DÍVIDAS TRIBUTÁRIAS NO BRASIL PASSAM DE 1/2 PIB

07:38 Carlos Alberto, ˜Karlão Sam˜. 0 Comments

 



COMO COBRAR TANTA DÍVIDA?

Mais de meio PIB em contencioso tributário

As revelações do estudo que o ETCO encomendou à EY (Ernst & Young) para mostrar a situação das disputas entre o Fisco federal e os contribuintes

Os impostos que a Receita Federal tenta cobrar dos contribuintes, mas não consegue receber, não param de crescer. Eles subiram de R$ 2,275 trilhões em 2013 para R$ 3,440 trilhões em 2018. Para ter uma ideia do que esses valores representam – e do ritmo do aumento –, vale a pena compará-los com o PIB. Nesse período, eles saltaram do equivalente a 42,7% para 50,4% de todas as riquezas produzidas no País em um ano.

 

Essas cifras constituem o chamado contencioso tributário federal. O fato de estarem em processo de cobrança não significa necessariamente que são devidos pelos contribuintes. Há casos em que as dívidas são indiscutíveis, mas se acumulam porque o Estado não consegue receber. As razões vão da lentidão da Justiça à insolvência de quem deve. Mas boa parte desse total são cobranças que os contribuintes consideram injustas e, portanto, estão contestando nas instâncias administrativas ou judiciais encarregadas de dar a palavra final na disputa.

 

Qualquer que seja a razão, no entanto, o resultado é que um contencioso tributário desse tamanho – e crescendo dessa maneira – provoca muitos prejuízos ao País. Para o Estado, significa que está cada vez mais difícil e custoso arrecadar os impostos necessários para financiar os serviços públicos, prejudicando a eficácia na obtenção de resultados. O que poderia virar escola e hospital é gasto com advogados, contadores, juízes e outras despesas de cobrança. Para as empresas brasileiras, a mesma coisa: elas gastam energia e recursos em processos longos que não têm nenhuma relação com a sua atividade-fim e que impactam em seus balanços contábeis, criando insegurança jurídica. Quando veem esses números, investidores internacionais pensam duas vezes antes de aplicar seus recursos no Brasil.

 Peso para o Estado

Para expor ainda mais esse tema ao debate público e contribuir na busca de soluções o ETCO contratou uma das consultorias mais importantes do mundo, a EY (Ernst & Young), para realizar um diagnóstico sobre o contencioso tributário do governo federal. O estudo analisou dados públicos e lançou luz sobre alguns fatores que podem estar relacionados com o aumento dos valores em disputa. A EY mobilizou também seus escritórios em outros seis países para mostrar como eles lidam com as divergências entre o Fisco e os contribuintes (veja abaixo).

O dado que mais chama a atenção é o crescimento dos valores em processo de cobrança nos últimos anos e o fato de eles terem ultrapassado a metade do PIB em 2018. Para mostrar a importância dos valores em disputa para as contas públicas, o trabalho compara a evolução do contencioso com o resultado do Balanço Geral da União (BGU), que relaciona todos os ativos e passivos do governo federal.

Amenizar o ajuste fiscal

Nos últimos anos, o saldo dessa conta, que corresponde ao Patrimônio Líquido da União, piorou muito em virtude da crise fiscal do governo. A partir de 2015, entrou no vermelho e continuou se deteriorando até chegar a um resultado negativo de R$ 2,42 trilhões em 2018. No mesmo período, o estoque de contencioso passou de R$ 2,7 trilhões para R$ 3,44 trilhões.

Significa dizer que, se a União conseguisse cobrar todo o contencioso tributário, seu Patrimônio Líquido teria continuado no azul – e o País não teria sido obrigado a tomar medidas tão duras como as que adotou para equilibrar as suas contas, acentuando a crise econômica.

Uma das autoras do trabalho, a advogada Natalie Branco, gerente sênior de Business Tax Services da EY, faz a ressalva de que nem todas essas cobranças são procedentes e que boa parte dos devedores são empresas que já fecharam as portas ou não têm condições de pagar suas dívidas. “Mas dá uma ideia de como esses valores fazem falta ao governo”, afirma Natalie.

O peso para o setor produtivo também encontra evidência nos dados. Um estudo da Fundação Getulio Vargas, divulgado em 2017, já havia trazido uma informação preocupante. Os balanços de grandes companhias brasileiras registravam a existência de R$ 288 bilhões em contencioso tributário, mais que o dobro da soma dos litígios nas esferas cível (R$ 77 bilhões) e trabalhista (R$ 39 bilhões).

O trabalho da EY trouxe outro dado impressionante. Comparou o contencioso tributário, incluindo débitos previdenciários, de cinco das vinte maiores empresas de capital aberto do País, segundo o ranking da revista Forbes, com o valor de mercado dessas companhias, calculado pela consultoria S&P Capital IQ.

Em duas delas, o litígio fiscal supera o valor da empresa: uma do segmento de siderurgia, que vale R$ 15,9 bilhões e discute R$ 29 bilhões em tributos, e uma de telecomunicações, que é avaliada em R$ 9,8 bilhões e registra contencioso tributário 289% superior, de R$ 28,24 bilhões. Em termos absolutos, o maior contencioso da amostra totaliza R$ 146,39 bilhões e é referente a uma grande empresa do setor de petróleo e gás natural com valor de mercado de R$ 380 bilhões.

Aumentou por quê?

As razões que explicam o elevado nível de litígio fiscal no Brasil, assim como as medidas para mitigar o problema, são abordadas nas próximas páginas desta edição por profissionais que lidam com esse problema sob diferentes pontos de vista: no governo, no Judiciário, no Legislativo, no setor privado e nos meios acadêmicos. Mas os especialistas são unânimes em apontar a complexidade do sistema tributário brasileiro, e suas constantes alterações, como uma das causas principais. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT) mostrou que, desde a promulgação da Constituição Federal, em 1988, até 2018, foram aprovadas 16 emendas constitucionais e criadas 390.726 normas tributárias no País.

O estudo da EY buscou elucidar alguns motivos por trás do crescimento recente do estoque de contencioso federal. Basicamente, ele pode ocorrer por dois fatores: um prolongamento no tempo dos processos de discussão e cobrança ou uma elevação nas autuações do Fisco.

 

Processos tributários costumam ser bastante demorados no Brasil. Em geral, eles são julgados inicialmente na esfera administrativa, em duas ou até três instâncias; e o contribuinte que perde a disputa pode ingressar na Justiça, partindo da primeira instância e podendo chegar até o Supremo Tribunal Federal, isto é, até quatro níveis de julgamento.

 A EY levantou o tempo médio que um processo demora para percorrer todo esse caminho com base em relatórios da Receita Federal, do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Em 2017, eram 18 anos e 11 meses. O prazo é extremamente longo, mas levemente inferior ao registrado um ano antes: 21 anos.

O que mantém uma nítida trajetória de crescimento é o contencioso novo, gerado a partir dos processos de fiscalização do governo sobre os contribuintes. Quando entende que os tributos que uma empresa recolheu estão abaixo da quantia devida, a Receita autua aquele contribuinte para cobrar o imposto não pago acrescido de multa e juros. Esse procedimento é chamado de lançamento de créditos tributários.

 

O total de lançamentos oscila a cada ano. De 2010 a 2016, subiu por três anos seguidos e depois caiu por outros três. Na média, ficou em R$ 130 bilhões ao ano nesse período. Em 2017, porém, esse valor deu um salto e atingiu R$ 206 bilhões – um aumento de 69% em relação ao ano anterior. Em 2018, ficou em R$ 187 bilhões.

Diferentes razões são apontadas para explicar esse crescimento. Outra autora do estudo, a advogada Gidelle Niemann, gerente de Business Tax Services da EY, lembra que o Fisco vem implantando diversos sistemas informatizados para acompanhar as vendas e o pagamento de impostos, exigindo sua utilização por parte dos contribuintes por meio das chamadas obrigações acessórias. “A Receita Federal está autuando mais e melhor. Ela lavra maior número de autos de infração e está investindo muito na eficiência da fiscalização”, conta Gidelle.

 

A gerente Natalie Branco lembra de outro fator relevante. Em 2014, houve uma mudança importante na legislação que regulamenta a forma como uma empresa pode deduzir de seu Imposto de Renda o ágio pago na compra de outra companhia – ou seja, a parcela que supera o valor registrado como Patrimônio Líquido no balanço da parte adquirida. O tema envolve muitas empresas e valores elevados, e a alteração gerou grande volume de contencioso novo.

Foco em grandes contribuintes

O estudo da EY analisou ainda os resultados da estratégia do Fisco de concentrar esforços na fiscalização das maiores empresas brasileiras. Esse grupo reúne cerca de 9 mil grandes contribuintes, que representam 0,01% do total de empresas do País e respondem por 60% da arrecadação de impostos. Entre 2014 e 2018, a participação dessas companhias no valor total de autuações subiu de 72,11% para 82,05%. Em 2018, esse trabalho trouxe um resultado arrecadatório de R$ 27,52 bilhões, o maior já obtido pela área de monitoramento de grandes contribuintes da Receita.

O estudo da EY mostrou, porém, um dado preocupante em relação às fiscalizações dessas empresas. Além do aumento no número de autuações, os auditores fiscais vêm acusando mais os representantes dessas companhias de cometerem crimes contra a ordem tributária – e não simplesmente incorrerem em erro ou divergirem do entendimento da Receita. Isso ocorre quando, juntamente com o auto de infração, o fiscal encaminha uma Representação Fiscal para Fins Penais contra executivos da empresa para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em 2018, fizeram isso em 29,48% das autuações, contra 25,42% um ano antes.

O trabalho da EY não buscou analisar as causas desse aumento, mas, entre as várias possibilidades, duas são perturbadoras: que pudesse haver a intenção de aplicar esse instrumento para forçar o pagamento de tributos ou que os maiores empresários e executivos do País passaram a cometer mais ilegalidades tributárias nos últimos anos. Qualquer que seja a verdadeira razão, ela representa uma má notícia para um país que precisa melhorar urgentemente a qualidade do seu ambiente de negócios.

BONS EXEMPLOS DE OUTROS PAÍSES

No estudo realizado para o ETCO, a EY mobilizou seus escritórios em outros seis países para mostrar como eles resolvem os conflitos entre o Fisco e os contribuintes e buscar inspiração para o problema brasileiro. As nações escolhidas encontram-se em diferentes estágios de desenvolvimento, mas todas aparecem em posição melhor que o Brasil no ranking do Relatório de Competitividade Global do Fórum Econômico Mundial de 2019: Estados Unidos (2º colocado), Alemanha (7º), Austrália (16º), Portugal (34º), México (48º) e Índia (58º). O Brasil aparece em 71º entre os 141 países avaliados.

Eles foram escolhidos também por apresentar modelos distintos de soluções de conflitos ou por sua influência direta (Portugal) ou semelhanças econômicas com o Brasil (México). A Índia foi incluída por também apresentar grande nível de litigiosidade entre o Fisco e os contribuintes e por não ter atacado o problema da insegurança jurídica e do contencioso na reforma tributária que realizou em 2017, focada na substituição de um Imposto sobre Valor Agregado estadual por um tributo nacional. Desde então, o País caiu 18 posições no ranking de competitividade do Fórum Econômico Mundial.

A seguir, a principal lição em relação ao contencioso que o estudo da EY encontrou em cada um desses países:

1. México:

Permite a negociação entre o contribuinte e o Fisco ainda durante a fase de fiscalização, autorizando a celebração de acordo conclusivo entre as partes.

 

2. Estados Unidos:

Possibilita acordo antes ou depois da emissão do auto de infração, com processos rápidos de mediação e de arbitragem de conflitos independente.

 

3. Portugal:

Disponibiliza sistema de arbitragem ao contribuinte logo após a emissão do auto de infração.

 

4. Alemanha:

Favorece o diálogo entre o Fisco e o contribuinte durante a fiscalização, possibilitando acordos informais que previnem a geração de contencioso.

 

5. Índia:

Fez uma reforma tributária em 2017 que não colocou a segurança jurídica como tema central. A judicialização segue elevada, com processos que podem durar 31 anos.

 

6. Austrália:

Oferece amplo espaço para defesa e negociação entre as partes na fase de recurso administrativo, incluindo mediação, avaliação do caso, conciliação, conferência e avaliação neutra.


FONTE: REVISTA ETCO.COM

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