SIMPLES E SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA; SEMPRE EM CONFLITO
19 DE SETEMBRO DE 2012
Por Gustavo Brigagão
Tributo bom é tributo
baixo e de reduzida complexidade. Se puder ser antigo, cujas regras já tenham
sido por todos assimiladas e compreendidas, tanto melhor.
A experiência mostra
que, quanto mais elevada a alíquota de um tributo e quanto maior a complexidade
da aplicação de suas normas, maior também será a probabilidade de que ele venha
a ser objeto de evasão fiscal.
Como o título deste
artigo sugere, examinarei nesta oportunidade a complexa relação que se
estabelece entre o instituto da Substituição Tributária e o Regime Especial
Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte — Simples, que deixa atônito
justamente aquele contribuinte que a Constituição Federal (CF) busca proteger
com a criação de um regime de recolhimento de tributos que seja pouco oneroso e
de fácil aplicação.
Como se sabe, a Emenda
Constitucional 42, de 19 de dezembro de 2003, alterou o artigo 146 da CF, para
determinar que “cabe à lei complementar estabelecer normas gerais relativas à
instituição de um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da
União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, observado que (…) o
recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de
recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada
qualquer retenção ou condicionamento” (grifei).
Buscou-se, assim, em
nível constitucional, prever a criação de um regime que, diferentemente do que
ocorre, em regra, com o sistema tributário nacional, fosse unificado e regido
por regras simples, objetivas e de fácil compreensão, e que, consequentemente,
trouxesse para a economia aparente os pequenos empreendimentos ocultos nas
sombras da informalidade.
Na sua forma atual,
esse regime se encontra regido pela Lei Complementar (LC) 123, de 14 de
dezembro de 2006.
Embora essa lei
reafirme o mandamento constitucional de que a sistemática por ela criada deva consistir
em um “regime único de arrecadação”, em seu artigo 13, parágrafo 1º, ela
estabelece diversas exceções a essa unicidade, entre elas, aquela referente ao
ICMS devido pelo regime de substituição tributária.
A substituição
tributária prospectiva, diferentemente do modelo regressivo, não acarreta
apenas a atribuição de responsabilidade a terceiro. Ela também obriga o
recolhimento do tributo anteriormente à ocorrência do respectivo fato gerador.
Em outras palavras, há para o substituto a obrigação originária de recolher
antecipadamente o tributo incidente nas “operações subsequentes”.
O instituto da
substituição tributária prospectiva sempre foi alvo de críticas pela maior
parte da doutrina especializada, que o considerava inconstitucional, por
ofensa, entre outros, aos seguintes princípios:
i) da tipicidade e, consequentemente, da segurança jurídica, pois o surgimento da obrigação tributária teria que estar inafastavelmente condicionado à materialização da hipótese de incidência, não podendo se fundamentar na presunção da ocorrência de fatos futuros;
i) da tipicidade e, consequentemente, da segurança jurídica, pois o surgimento da obrigação tributária teria que estar inafastavelmente condicionado à materialização da hipótese de incidência, não podendo se fundamentar na presunção da ocorrência de fatos futuros;
ii) da capacidade
contributiva e da vedação ao confisco, pois somente após a ocorrência do fato
gerador seria possível aferir riqueza tributável, não se admitindo a tributação
de riqueza presumida;
iii) da isonomia, pois,
se a operação fosse realizada por valor menor do que o estimado, a alíquota
real incidente na operação seria maior do que a prevista em lei, o que
colocaria o contribuinte em situação de desigualdade desvantajosa em relação
aos demais;
iv) da competência
exclusiva da União para a instituição de empréstimo compulsório, pois, também
na hipótese em que a operação fosse realizada por montante menor do que o
estimado, teria havido antecipação de valores à Fazenda Pública Estadual para
posterior devolução, o que atribuiria à exação a natureza daquele empréstimo.
Apesar da relevância
dos argumentos acima, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 213.396-SP,
de que foi relator o ministro Ilmar Galvão, a 1ª Turma do STF decidiu pela
constitucionalidade da substituição tributária prospectiva, conforme se
verifica no exame da ementa do acórdão, abaixo transcrito:
“TRIBUTÁRIO. ICMS. ESTADO DE SÃO PAULO. COMÉRCIO DE VEÍCULOS NOVOS. ART. 155, § 2°, XII, B, DA CF/88. CONVÊNIOS ICM N° 66/88 (ART. 25) E ICMS N° 107/89. ART. 80, INC. XIII E § 4°, DA LEI PAULISTA N° 6.374/89. (…) A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador. Acórdão que se afastou desse entendimento. Recurso conhecido e provido.” (Primeira Turma, 02.08.1999, DJ de 01.12.2000, p. 97)
“TRIBUTÁRIO. ICMS. ESTADO DE SÃO PAULO. COMÉRCIO DE VEÍCULOS NOVOS. ART. 155, § 2°, XII, B, DA CF/88. CONVÊNIOS ICM N° 66/88 (ART. 25) E ICMS N° 107/89. ART. 80, INC. XIII E § 4°, DA LEI PAULISTA N° 6.374/89. (…) A responsabilidade, como substituto, no caso, foi imposta, por lei, como medida de política fiscal, autorizada pela Constituição, não havendo que se falar em exigência tributária despida de fato gerador. Acórdão que se afastou desse entendimento. Recurso conhecido e provido.” (Primeira Turma, 02.08.1999, DJ de 01.12.2000, p. 97)
Esse entendimento se
mantém inalterado até a presente data, e foi reproduzido em diversas decisões
recentes (inclusive da 2ª Turma). A título ilustrativo, transcrevo uma das
diversas ementas:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE. RECEPÇÃO DO DECRETO-LEI 406/1968 E CONVÊNIOS ESTADUAIS. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que é constitucional o regime de substituição tributária de ICMS pago antecipadamente, mesmo antes da EC 3/1993. Isso porque a disciplina desse instituto jurídico decorre da recepção do Decreto-Lei 406/1968 e dos convênios estaduais celebrados com suporte no § 8º do art. 34 do ADCT, até a edição da LC 87/1996. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 428364 AgR/AM, Relator Min. AYRES BRITTO, 13/12/2011)
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. CONSTITUCIONALIDADE. RECEPÇÃO DO DECRETO-LEI 406/1968 E CONVÊNIOS ESTADUAIS. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que é constitucional o regime de substituição tributária de ICMS pago antecipadamente, mesmo antes da EC 3/1993. Isso porque a disciplina desse instituto jurídico decorre da recepção do Decreto-Lei 406/1968 e dos convênios estaduais celebrados com suporte no § 8º do art. 34 do ADCT, até a edição da LC 87/1996. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.” (RE 428364 AgR/AM, Relator Min. AYRES BRITTO, 13/12/2011)
É, portanto,
jurisprudência pacífica que o regime de substituição tributária é válido.
Mas, seria ele
compatível com as regras que regem o Simples?
Como visto acima, a
competência outorgada pela CF está condicionada a que o regime especial a ser
criado institua um sistema unificado de recolhimento dos tributos,
não havendo qualquer autorização para que lei complementar institua exceções a
tal regra que impliquem tornar o contribuinte sujeito a outras incidências que
não aquela unificada, expressamente prevista.
Nem se diga que, na
substituição tributária, o substituto recolhe tributos cuja obrigação
tributária nasce na mão de terceiros e que, portanto, o respectivo pagamento
não prejudicaria a unificação de recolhimento acima referida.
De fato, como antes
visto, o regime de substituição tributária prospectiva implica atribuição de
responsabilidade a terceiro (contribuinte substituto) desde o momento da
ocorrência do respectivo fato gerador, excluindo-se a responsabilidade do
contribuinte substituído. Em outras palavras e de acordo com a melhor doutrina, a
obrigação do substituto tributário é própria; ela nasce já em suas mãos, e não
nas do substituído.
Logo, é flagrantemente
inconstitucional a exceção imposta pela LC 123/06 ao regime unificado de
recolhimento de tributos.
Nos acórdãos que
existem sobre a matéria específica, a questão jamais foi examinada sob esse
aspecto (o da inconstitucionalidade do artigo 13, parágrafo 1º, da LC 123/06).
Pelo contrário, ao
examinar questão similar, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a
“unicidade” do Simples não comportaria exceções.
À época do fato objeto
desse julgamento, o Simples era disciplinado pela Lei 9.317, de 5 de dezembro
de 1996, que garantia às empresas nele enquadradas o direito ao pagamento
unificado dos tributos devidos.
Durante a vigência
dessa norma, foi editada a Lei 9.711, de 20 de novembro de 1998, que formulou,
em seu artigo 23, a seguinte exigência: “A empresa contratante de serviços
executados mediante cessão de mão-de-obra, deverá reter onze por cento do valor
bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços e recolher a
importância retida até o dia dois do mês subsequente ao da emissão da
respectiva nota fiscal ou fatura (…).”
Ao analisar o caso, o
STJ entendeu que as disposições da Lei 9.711/98 não poderiam alcançar as
pessoas jurídicas enquadradas no Simples, uma vez que elas teriam direito ao
pagamento unificado dos tributos devidos.
Eis parte da ementa da
decisão proferida pela 1ª Seção do STJ:
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA.
1. …
2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui “nova sistemática de recolhimento” daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social.A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas.
3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do SIMPLES, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96).
4. Embargos de divergência a que se nega provimento.” (Grifamos)
(Embargos de Divergência em Recurso Especial – EREsp n° 511.001-MG, Primeira Seção do STJ, Ministro Relator Teori Albino Zavascki, DJe de 11.04.2005).
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. EMPRESAS PRESTADORAS DE SERVIÇO OPTANTES PELO SIMPLES. RETENÇÃO DE 11% SOBRE FATURAS. ILEGITIMIDADE DA EXIGÊNCIA.
1. …
2. O sistema de arrecadação destinado aos optantes do SIMPLES não é compatível com o regime de substituição tributária imposto pelo art. 31 da Lei 8.212/91, que constitui “nova sistemática de recolhimento” daquela mesma contribuição destinada à Seguridade Social.A retenção, pelo tomador de serviços, de contribuição sobre o mesmo título e com a mesma finalidade, na forma imposta pelo art. 31 da Lei 8.212/91 e no percentual de 11%, implica supressão do benefício de pagamento unificado destinado às pequenas e microempresas.
3. Aplica-se, na espécie, o princípio da especialidade, visto que há incompatibilidade técnica entre a sistemática de arrecadação da contribuição previdenciária instituída pela Lei 9.711/98, que elegeu as empresas tomadoras de serviço como responsáveis tributários pela retenção de 11% sobre o valor bruto da nota fiscal, e o regime de unificação de tributos do SIMPLES, adotado pelas pequenas e microempresas (Lei 9.317/96).
4. Embargos de divergência a que se nega provimento.” (Grifamos)
(Embargos de Divergência em Recurso Especial – EREsp n° 511.001-MG, Primeira Seção do STJ, Ministro Relator Teori Albino Zavascki, DJe de 11.04.2005).
Esse entendimento foi,
inclusive, sumulado pelo STJ, da seguinte forma:
“A retenção da contribuição para a seguridade social pelo tomador do serviço não se aplica às empresas optantes pelo Simples.” (Súmula 425 do STJ, de 10.03.2010)
“A retenção da contribuição para a seguridade social pelo tomador do serviço não se aplica às empresas optantes pelo Simples.” (Súmula 425 do STJ, de 10.03.2010)
Ora, se a mera previsão em
lei da necessidade de “pagamento unificado” foi suficiente para que o STJ
afastasse a obrigação de reter a contribuição previdenciária exigida por lei
posterior, não pode haver dúvida de que, agora, com disposição
constitucional expressa no mesmo sentido, os contribuintes inscritos no
Simples não podem ser submetidos às regras de substituição tributária,
independentemente do que disponha a LC 123/06.
Em suma, o Simples não
pode ser complexo!
É mandatório, repito,
que o Legislativo e, principalmente, o Judiciário façam com que esse regime
atenda à sua principal finalidade, que, como dito, é a de atrair para a
economia aparente os pequenos empreendimentos que, hoje, sobrevivem às margens
da formalidade.
Submetê-los às regras
de substituição tributária, além de ferir a Constituição, gera efeito
diametralmente oposto ao acima referido.
Gustavo
Brigagão é sócio do escritório Ulhôa Canto, secretário-geral da ABDF
(Associação Brasileira de Direito Financeiro), diretor do Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados (Cesa) e presidente da Câmara Britânica do Rio de
Janeiro.
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