VALE DO RIO DOCE E OS PREJUÍZOS COM A EXPLORAÇÃO DO POTÁSSIO NA ARGENTINA- QUEM VAI PAGAR?

08:30 Carlos Alberto, ˜Karlão Sam˜. 0 Comments


O CASO DAS OPERAÇÕES DE MINERAÇÃO DE POTÁSSIO DA VALE NA ARGENTINA
O  anúncio de suspensão das atividades da Vale sobre o projeto de mineração de potássio do Rio Colorado foi de imensa repercussão pelos jornais nacionais.

Por Leonardo Travassos e Antônio Schappo
Tal medida resulta em consequências das mais variadas tanto à Argentina, que agora se encontra em situação econômica delicada; à Vale, uma das maiores empresas do setor privado do mundo; e, para o Governo Brasileiro, cuja participação nesta contenda não deixa de ser nada menos que enigmática.

Faz-se necessário então, para a análise, realizar uma breve introdução sobre a participação destes três atores no âmbito dos recentes anúncios e acontecimentos, assim como a contextualização de suas capacidades.

Vale SA

Como já foi dito, a Vale, que foi empresa estatal brasileira até 1997, foi privatizada em meio à várias polêmicas que não cabem ser discutidas por este artigo, é hoje uma das maiores empresas da indústria de mineração e metais.
Figurando como a segunda maior mineradora mundial por volume, com US$ 100 bilhões como valor de capitalização de mercado, e com cerca de 400.000 acionistas e papéis negociados em quatro bolsas ao redor do mundo.
A presença e tamanho da empresa são de escala inegável na economia global.

A Vale começou no ano de 2012 a investir na região de Mendoza, na Argentina. Mais precisamente na bacia do Rio Colorado, com o objetivo de desempenhar um projeto de exploração em larga escala de potássio, meta que se alcançada tornaria a empresa uma das maiores fornecedoras de fertilizantes do mundo. O valor orçado primeiramente para o projeto era de US$5,9 bilhões.

Após gastar cerca de US$2.5 bilhões de dólares e concluir mais de 40% do projeto que inclui terminal portuário assim como 790 km de estradas de ferro, a Vale suspendeu oficialmente suas atividades na região no dia 11 de março de 2013. Dentre as razões listadas pela empresa, encontram-se os altos níveis inflacionários e as práticas de controle cambial argentino, que tornaram o investimento inviável, quase que dobrando suas estimativas de custos para US$11 bilhões.

Vale na Argentina?

Para a Argentina, esta oportunidade seria simplesmente o maior investimento brasileiro no país, tornando ainda mais positivo pela sua finalidade, pois 90% do potássio utilizado nas fazendas brasileiras vêm de importações advindas principalmente da Rússia e o Canadá. Um investimento como este seria de vital importância para o desenvolvimento de superávits na balança comercial do país, além, é claro, dos 6.000 empregos diretos que estavam sendo criados. A produção estava programada para começar no ano de 2014.




Importação de potássio no Brasil. Fonte: Folha de São Paulo, 2013.

As perspectivas econômicas argentinas não são positivas. A infraestrutura atual não tem como sustentar as taxas de crescimento tão altas como a de 2010 de 9,1%, soma-se isso à desconfiança externa que diminuiu os níveis de aplicação de capital estrangeiro chegando a 1% do PIB após a estatização da YPF, caso já tratado no blog, o que inviabiliza novos investimentos em áreas estratégicas como a de energia.

Um dos problemas mais agudos do atual governo de Cristina Kirchner é a questão cambial, cujo mercado paralelo é de imensa força com cotações 50% superiores as oficiais, em resposta aos impostos restritivos à compra de moeda estrangeira em uma economia tradicionalmente dolarizada. A inflação também é apontada como um grave problema, por não ser reconhecida pelo governo, que diz estar medida em 10,8% em 2012, contra 25,8% calculado por analistas de mercado.

Governo Brasileiro

Os objetivos relacionados à influência do governo brasileiro nas negociações são dos mais variados, compreendendo tanto fatores domésticos como de conjuntura internacional. O preço do potássio subiu dez vezes durante a crise mundial de alimentos de 2007 e 2008. Como este mineral é um dos três nutrientes necessário para o crescimento de plantas, o governo brasileiro vê como estratégia a meta de se tornar auto-suficiente na questão de fertilizantes até 2020.

O investimento se constitui, também, como estratégico no quesito das relações exteriores na região. São U$6 bi que seriam muito bem vindos para a economia argentina, e por mais que este valor seja concedido por uma empresa privada, a dissociação da imagem nacional da empresa é difícil de realizar, o que traria uma bela moeda de troca para concessões argentinas em outras áreas, como o cerco argentino aos importados brasileiros.

Para reforçar esta ideia pautada no exercício intervencionista brasileiro neste setor econômico, observa-se que o mesmo aumentou desde que Roger Agnelli saiu do comando da Vale em 2011. Do outro lado da moeda, investidores veem com maus olhos uma maior intervenção do governo nas atividades da empresa. Preocupações sobre a revisão do código de mineração brasileiro derrubaram em cerca de 25% o valor das ações da Vale em 2013. Sob este ponto de vista, utilizar a empresa como um instrumento para prestar socorro à economia argentina seria ir longe demais.

Cronologia e fatos relevantes

A vale informou no dia 11 de março sua suspensão das atividades na bacia do Rio Colorado. Desde então, as ações da empresa tem sido concentradas nas negociações com o governo local permeada por ordens de Justiça.

Aparentemente a empresa vinha negociando o que viria a ser na verdade um acordo com as autoridades argentinas para o desligamento dos 6000 trabalhadores atrelados ao projeto. A empresa concordou em pagar 2,5 vezes o salário mensal de cada funcionário, por 5 meses, como compensação. A resposta dos acionistas à notícia trouxe um aumento diário de 1,4% na cotação da empresa.

Um grande banho de água fria para as negociações viria coincidentemente com um encontro entre a presidente Dilma e a presidente argentina Christina Kirchner no dia 25 de abril. O timing do anúncio com a reunião das duas representantes de Estado foi considerado um absurdo, segundo o assessor para assuntos internacionais da presidência, Marco Aurélio Garcia.
 
Negociações entre Cristina Kirchner e Dilma Rousseff

O atual presidente da Vale, Murilo Ferreira, afirmou na quinzena seguinte ao anúncio do acordo que não existe solução a vista para a empresa, afirmando que “o processo vai demorar”. Isso se dá, segundo ele, pelo fato da empresa não ter um plano “B” para este tipo de atuação, sendo o Rio Colorado o grande projeto nessa área para a mineradora, e também pelo fato da empresa se encontrar atualmente na fase de formulação do planejamento estratégico de 2013. A procura de uma nova alternativa só seria iniciada após consulta com acionistas.

Por mais que a Vale possa querer vender a mina, fazê-lo seria muito difícil sem subsídio do governo argentino, e este que como já visto não tem condições para tal empreitada. Entretanto, vale salientar a existência de concorrentes nesta atividade que veem a saída da Vale deste projeto como uma grande oportunidade. A Verde Potash é uma empresa fundada por brasileiros e listada na bolsa de Toronto. Ela desenvolve um projeto de exploração de potássio no valor de US$2,3 bilhões em Minas Gerais, cuja produção deve chegar a 3 milhões de toneladas em 2015.
Ainda no quesito de alternativas, no mesmo dia em que foi anunciada o acordo com os trabalhadores, o governo argentino propôs exportar o mineral pelo Chile, o que evitaria investimentos na construção da linha ferroviária e porto.

A nova estratégia do governo argentino espera mudar a situação da negociação ao convocar o Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para mediar com o governador de Mendoza, Francisco Pérez. Segundo o último, Dilma e Lula “fazem parte da mesma equipe”.

Considerações Finais

A dinâmica da negociação é emblemática ao mostrar a influência dos mais diversos fatores na determinação dos resultados da negociação. Por exemplo, a queda do preço das commodities, do desempenho econômico chinês e do otimismo dos investidores estrangeiros do Brasil tem levado a cotação da Vale à seu menor desde 1999. Este fator somado a dependência da designação dos rumos da empresa ao voto de seus acionistas configura um obstáculo para a mesma concordar em continuar as operações depois que os custos estimados dobraram.

A estratégia argentina de oferecer alternativas, como a proposta pelo Chile e sondar empresas que estariam interessadas em assumir os trabalhos é de extrema importância, tendo em vista que a Vale não dispõe de um BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement) até o momento. Porém, grandes obstáculos estão no não reconhecimento dos órgãos de estatística do governo argentino em relação aos índices de inflação e a condução heterodoxa da política cambial, que não inspiram confiança na condução das políticas e reversão dos quadros econômicos desfavoráveis.

Por fim, o pedido de mediação ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, admirado tanto pelas presidentes Kirchner e Rousseff por seu passado como líder influente e exímio negociador, se apresenta como uma estratégia arriscada. Se adaptarmos a teoria de análise dos jogos de dois níveis de Putnam às circunstâncias dessa negociação, teríamos como responsáveis pelo nível “nacional” da Vale e a “ratificação” da negociação internacional, àqueles encarregados de elaborar o planejamento estratégico da empresa. Sendo assim, quaisquer intervenções e influências de chefes de Estado nos rumos da empresa não tendem a ser bem-vindas.

As decisões ainda estão para ser tomadas, mas o pequeno tamanho do Win-set da Vale reduz em muito sua flexibilidade de negociação e aumenta seu poder de barganha em frente as influências do governo brasileiro e os avanços de propostas argentinas não pautadas em grandes concessões, inviáveis em seu atual contexto econômico.

Quanto às aspirações políticas brasileiras de influenciar a negociação para atingir fins condizentes com seus planos de empreendedor político regional, estes talvez possam ser condicionados a uma possível estratégia de parceria no que tange o financiamento dos investimentos da empresa via BNDES.

REFERÊNCIAS

BANCO MUNDIAL. Argentina: Panorama Geral. Disponível em: <http://www.bancomundial.org/es/country/argentina/overview>. Acesso em 15 de junho de 2013.

COSTA, Armando Dalla. La Vale dans Le nouveu contexte d’internationalization des entreprises brésiliennes. Paris Editions, Eska, ISSN 1161-2770, n.54, avril 2009, p. 86-106. Disponível em: <http://www.empresas.ufpr.br/vale.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2013.


G1 ECONOMIA. Vale suspende projeto de potássio Rio Colorado, na Argentina. 11 de março de 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/03/vale-suspende-projeto-de-potassio-rio-colorado-na-argentina-1.html>. Acesso em 16 de junho de 2013.

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