A ÁFRICA VAI ALIMENTAR O MUNDO! ACREDITE!
África será celeiro que alimentará o mundo, segundo Banco
Mundial e ONU
O Banco Mundial e a ONU estão convencidos de que a África poderá se
transformar no grande celeiro que alimentará o resto do planeta. Entretanto,
algumas vozes alertam que isso poderia ter implicações negativas para a
segurança alimentar da própria população africana. A pergunta que soa cada vez
mais em determinados círculos políticos e econômicos é: uma região onde a fome
e a escassez continuam presentes deve vender quantidades maciças de alimentos?
A reportagem é de Miguel Ángel García Vega,
publicada no jornal El país e reproduzida pelo Portal
Uol, 13-10-2013.
O continente africano, e em particular a África subsaariana,
é uma zona de amplos contrastes. Enquanto a seca extrema e a fome atingem
países como a Namíbia, um recente trabalho da Fundação Mo
Ibrahim, que promove o bom governo na região, destaca que dos 15 países do
planeta onde a produção agrícola mais cresceu entre 2000 e 2008 sete são
africanos: Angola (13,6%), Guiné (9,9%), Eritreia (9,3%), Moçambique (7,8%),
Nigéria (7%), Etiópia (6,8%) e Burquina Fasso (6,2%). Como interpretar
situações tão díspares? Em 2050, a população africana duplicará e serão 2
bilhões de pessoas a atender. A África terá capacidade para alimentar os 54
países que a formam e ao mesmo tempo um planeta que exige cada vez mais alimentos?
"É claro que a África poderia ser o celeiro do
mundo!", exclama Mercy Wambui, perita da Uneca
(Comissão Econômica da ONU para a África). "Mas antes tem de ocorrer
uma série de mudanças internas. Começando por uma gestão mais eficaz dos
recursos." No entanto, o terreno é sólido. "A África possui 60% das
terras [a maior extensão do mundo] potencialmente cultiváveis do planeta",
explica Aaron Flohrs, sócio especializado nessa região da
consultoriaMcKinsey. De fato, segundo o Anuário Estatístico da FAO
(Organização da ONU para Alimentação e Agricultura), 79% dos campos que
poderiam ser cultivados no continente estão sem trabalhar. E a administradora
de fundos de investimento Fidelity afirma que só são
explorados 10% dos 400 milhões de hectares de terra cultivável situados entre o
Senegal e a África do Sul. O suficiente, segundo essa firma, não só para
alimentar os africanos como para satisfazer a crescente demanda mundial.
"O potencial é enorme, mas é preciso promovê-lo com
políticas de desenvolvimento sustentável", reflete Wambul.
Dizem os especialistas que para consegui-lo é preciso romper o ciclo da
agricultura de subsistência (85% das explorações africanas ocupam menos de dois
hectares), investir em infraestrutura que apoie o crescimento do setor (estradas,
pontes, represas) e atingir economias de escala. Mas essas são ideias que
parecem tiradas de um manual de economia; a vida na África impõe seus próprios
ensinamentos.
A África gera por ano 700 milhões de toneladas de produtos
agrícolas, que lhe trazem US$ 313 bilhões, segundo oBanco Mundial. Ou
seja, a agricultura representa 15% de sua riqueza.
Entretanto, a exportação de alimentos básicos caiu de 3,8% em
2003 para 3,5% em 2012. É o que revela aConferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad,
na sigla em inglês).
Um dos países africanos com maior desenvolvimento agrícola, a
África do Sul é um importador líquido de alimentos. Como é possível? Thabo
Ncalo e Humphrey Gathungu, responsáveis pela
administradora de fundos Stanlib Africa Equity Fund Managers, dão várias
pistas. "Muitas explorações ainda dependem da chuva e carecem de sistemas
de irrigação próprios. Além disso, a produção aumentaria drasticamente se
utilizassem fertilizantes e melhores técnicas de plantio", afirmam. Mas
nem tudo é questão de rendimentos, mas também de economia. As perdas que
ocorrem no final da colheita se transformaram em um mal endêmico. Só em cereal
oscilam entre 15 e 20% de tudo o que é colhido. É uma quebra que conta.
"Uma redução de 1% nesse tipo de perda pode se transformar em um ganho
anual de até US$ 40 milhões", calculam os analistas Ncalo e Gathungu.
Há tempo que a FAO avisa que no mundo são desperdiçadas 1,3
bilhão de toneladas de alimentos por ano. Um terço do total. Além disso, a
organização adverte que em 2050 o planeta precisará de 71 milhões de hectares
de plantações adicionais para alimentar-se. A África e seu celeiro terão então
que entrar em cena premidos pela necessidade. Poderão responder ao desafio?
O setor agrícola africano cresce a um índice limitado entre
2% e 5% anuais. Parte desses níveis baixos ainda tem um forte potencial de
melhora. E terra onde fazê-lo não falta. "Moçambique, Nigéria e Zâmbia
dividem as maiores extensões de campos subutilizados do continente",
explicam na Fidelity.
As possibilidades se estendem aos territórios do sul, centro
e leste. Países como República Democrática do Congo contam com um vasto celeiro
(52% de todas as terras do país são cultiváveis) não utilizado devido às
guerras civis e aos conflitos sociais. E isto nos leva a outra consideração. As
estratégias agrícolas, para que tenham êxito, devem ser respaldadas por boas
políticas de governança, e aqui o continente falha. Também fraqueja na gestão
da água, que segundo os especialistas do banco Citigroup "é o verdadeiro
desafio na África subsaariana", onde só 4% das plantações são irrigadas.
Um desafio que, por exemplo, exige realizar investimentos em infraestrutura
para ampliar a irrigação.
É uma leitura do problema que combina com a que o Banco
Mundial registrou no trabalho "Growing Africa: Unlocking
the Potential of Agribusiness" [África em Crescimento:
Destravando o potencial do agronegócio], publicado em março passado. A
instituição pensa que a África poderia criar um mercado de alimentos em 2030 de
US$ 1 bilhão se abrisse as portas para a entrada maciça de capitais, empresas e
tecnologia estrangeiras. Mas a proposta encontra a oposição de várias
organizações não-governamentais, já que essa ideia, segundo afirmam, transita
justamente na direção contrária. "A quem beneficia esse mercado, se for
controlado por especuladores financeiros de Londres, Nova York ou
Pequim?", pergunta-se Henk Hobblink, coordenador da organização Grain.
"Utilizar prioritariamente as terras agrícolas para exportar, enquanto há
pessoas que passam fome no continente, é um crime. E expulsar os agricultores
de seus campos para dá-los a investidores estrangeiros para que produzam mais
também é um erro."
Esta última frase de Hobblink transfere o
texto para o fenômeno do acúmulo de grandes extensões de terras (e de água) na
África. A ONG Grain denuncia que 60 milhões de hectares do continente (pouco
mais que o tamanho da Espanha) foram postos nas mãos de estrangeiros para
exploração, deixando de fora as populações rurais que tradicionalmente
trabalharam as terras como meio de subsistência. É muito recomendável para
entender a magnitude do problema dar uma olhada no detalhe das mesmas em
landmatrix.org, o único portal do mundo que compila as transações. Há 819
registradas em todo o planeta. Nada menos que 383 correspondem à África, 46% do
total. A Espanha só aparece em uma operação de 15 mil hectares, no território
de Moçambique.
Uma em cada oito pessoas no mundo passa fome
"O monopólio das terras e os investimentos estrangeiros
para transformar a África no celeiro do mundo não são novidade. É um disfarce
de neocolonizadores de gravata a cavalo do livre mercado: cultivam açúcar,
cacau, café, borracha - diziam então - e sairão da miséria. Cultivem soja,
palma africana ou qualquer coisa que a agroindústria ou nossos automóveis
precisem - dizem hoje - e verão como o progresso choverá. Mentiras
criminosas", afirma categoricamente Gustavo Duch, coordenador
da publicação "Soberania Alimentar".
Sem dúvida a África precisa de investimento em seus campos,
mas com um modelo que inclua seus agricultores, e não que os exclua. Os
consultores da McKinsey calculam que na África subsaariana são
necessários 38 bilhões de euros por ano para que o sistema agrícola funcione
melhor. Apesar de tudo, há otimismo. "Chegou a hora de a agricultura
africana ser um catalisador do fim da pobreza", observa Makhtar
Diop, vice-presidente do Banco Mundialpara a região africana.
Essa instituição acredita que a África poderia ser um dos
principais exportadores do mundo de açúcar, milho, soja, arroz e biodiesel e
ter o mesmo êxito que tiveram em uma época a América Latina ou o Sudeste
Asiático. Também dá sua lista para a África subsaariana: óleos vegetais,
cereais para o gado, horticultura, aves de granja e arroz.
Mas tem capacidade de exportar quem ainda não é capaz de
alimentar toda a sua população? A região é um dos maiores consumidores e
importadores do planeta de um cereal tão básico quanto o arroz. A metade do que
consome vem de fora e os africanos pagam um preço muito alto por ele, cerca de
US$ 3,5 bilhões por ano. A África fez um esforço produzindo 5% a mais (26,6
milhões de toneladas em 2012) em relação a 2011. Entretanto, não é suficiente.
Também haverá 25 milhões de hectares adicionais de milho em 2013. Mas também
não parece bastante.
Em Zâmbia esse cereal já proporciona a metade das calorias da
dieta de seus habitantes, que consomem 133 quilos de cereais per capita por
ano. Sua dependência é enorme. O que fazer? Recorrer a plantações geneticamente
modificadas e sua proposta de agricultura intensiva?
Carlos Vicente Alberto é responsável por
Sustentabilidade na Europa e Oriente Médio da Monsanto, principal fabricante de
sementes geneticamente alteradas do planeta e também uma das empresas com pior
imagem no mundo. Para ele está claro: "As plantações geneticamente
modificadas podem contribuir para incorporar tecnologias agrícolas mais
eficientes no uso dos recursos (solo, água, energia). Quer dizer, mais
produtivas e sustentáveis". Uma visão totalmente refutada pelos grupos de
ecologistas. Mas não só por eles. Antonio Hernández, sócio de
Internacionalização da KPMG, descarta algumas dessas ideias. "A
agricultura intensiva em grande escala também tende a ser intensiva em capital,
e não cria postos de trabalho. Ao mesmo tempo, desaloja as pessoas. A
consequência? Perdem seu emprego na agricultura de subsistência", avisa.
Sem que necessariamente obtenham um posto de trabalho alternativo na exploração
agrícola intensiva.
Crianças mal nutridas simbolizam a fome invisível na África
Poucos duvidam, como afirma Mercy Wambul, de que
"a África precisa de um milagre para promover sua produtividade agrária e
equipará-la ao aumento da população, mas até agora não há consenso de que o uso
das sementes biológicas seja a solução".
Os cultivos geneticamente modificados põem sobre a mesa a
fragilidade da agricultura na região. Apesar de tudo, muitos economistas veem
no continente, e portanto em seu potencial agrário, o último grande mercado do
planeta. Além disso, conta com "a classe de consumidores que cresce mais
rapidamente no mundo", afirma Michael Lalor, diretor do Centro
de Negócios da África em Joanesburgo da auditoria Ernst &
Young.
A afirmação leva a uma das questões mais discutidas na
África. Está surgindo uma classe média real, em parte como resposta a esse
florescimento do consumo?
Em abril de 2011 o Banco Africano de Desenvolvimento publicou
um polêmico trabalho (A Metade da Pirâmide: Dinâmica da classe média na
África) em que definia essa classe média africana como as pessoas que
tinham um consumo per capita diário entre US$ 2 e 20. Com esses parâmetros,
eram 313 milhões de africanos. Claro que teve de admitir que 60% de sua classe
recém-descoberta gastava entre US$ 2 e 4 por dia. Uma "classe
flutuante", disse então, que se desloca acima do limite da pobreza (menos
de US$ 2 diários).
O Banco Mundial, por sua vez, assim como algumas
das grandes consultorias do mundo, como Deloitte ou McKinsey, admitem a
existência dessa classe média estimando-a entre 200 e 300 milhões de pessoas.
Outros organismos, como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômicos), reduzem o entusiasmo para 32 milhões de pessoas. Embora
haja olhares mais céticos. O economista-chefe para a África do banco Citigroup, David
Cowan, afirma que "não existe uma classe média africana como tal. Há
uma elite emergente e um grupo muito forte de consumidores, que está crescendo
sem parar".
Seja qual for a estimativa mais correta, o que parece
inegável é que a emergência dessa classe média tem uma repercussão direta sobre
a agricultura. "Com maiores rendas", observa Sebastian
Kahlfeld, gestor do fundo de investimentos DWS Invest Africa,
pertencente à entidade financeira Deutsche Bank, "a demanda de
alimentos de maior qualidade crescerá de forma proporcional. De fato, um maior
consumo de proteínas, primeiro com carne branca e depois vermelha, precisa de
mais produção de rações para a criação de gado. Isto aumenta a pressão dirigida
a melhorar as condições de cultivo e da agricultura em geral". Será
suficiente para encher o celeiro da África e do mundo? Dentro de poucos anos o
saberemos.
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