VALE DO RIO DOCE E OS PREJUÍZOS COM A EXPLORAÇÃO DO POTÁSSIO NA ARGENTINA- QUEM VAI PAGAR?
O CASO DAS OPERAÇÕES DE MINERAÇÃO DE POTÁSSIO DA VALE NA ARGENTINA
O anúncio de suspensão das atividades da Vale
sobre o projeto de mineração de potássio do Rio Colorado foi de imensa
repercussão pelos jornais nacionais.
Por Leonardo Travassos e Antônio Schappo
Tal medida resulta em consequências
das mais variadas tanto à Argentina, que agora se encontra em situação
econômica delicada; à Vale, uma das maiores empresas do setor privado do mundo;
e, para o Governo Brasileiro, cuja participação nesta contenda não deixa de ser
nada menos que enigmática.
Faz-se necessário então, para a
análise, realizar uma breve introdução sobre a participação destes três atores
no âmbito dos recentes anúncios e acontecimentos, assim como a contextualização
de suas capacidades.
Vale SA
Como já foi dito, a Vale, que foi
empresa estatal brasileira até 1997, foi privatizada em meio à várias polêmicas
que não cabem ser discutidas por este artigo, é hoje uma das maiores empresas
da indústria de mineração e metais.
Figurando como a segunda maior
mineradora mundial por volume, com US$ 100 bilhões como valor de capitalização
de mercado, e com cerca de 400.000 acionistas e papéis negociados em quatro
bolsas ao redor do mundo.
A presença e tamanho da empresa são
de escala inegável na economia global.
A Vale começou no ano de 2012 a
investir na região de Mendoza, na Argentina. Mais precisamente na bacia do Rio
Colorado, com o objetivo de desempenhar um projeto de exploração em larga
escala de potássio, meta que se alcançada tornaria a empresa uma das maiores
fornecedoras de fertilizantes do mundo. O valor orçado primeiramente para o projeto
era de US$5,9 bilhões.
Após gastar cerca de US$2.5 bilhões
de dólares e concluir mais de 40% do projeto que inclui terminal portuário
assim como 790 km de estradas de ferro, a Vale suspendeu oficialmente suas
atividades na região no dia 11 de março de 2013. Dentre as razões listadas pela
empresa, encontram-se os altos níveis inflacionários e as práticas de controle
cambial argentino, que tornaram o investimento inviável, quase que dobrando
suas estimativas de custos para US$11 bilhões.
Vale na Argentina?
Para a Argentina, esta oportunidade
seria simplesmente o maior investimento brasileiro no país, tornando ainda mais
positivo pela sua finalidade, pois 90% do potássio utilizado nas fazendas
brasileiras vêm de importações advindas principalmente da Rússia e o Canadá. Um
investimento como este seria de vital importância para o desenvolvimento de
superávits na balança comercial do país, além, é claro, dos 6.000 empregos
diretos que estavam sendo criados. A produção estava programada para começar no
ano de 2014.
Importação de potássio no Brasil.
Fonte: Folha de São Paulo, 2013.
As perspectivas econômicas argentinas
não são positivas. A infraestrutura atual não tem como sustentar as taxas de
crescimento tão altas como a de 2010 de 9,1%, soma-se isso à desconfiança
externa que diminuiu os níveis de aplicação de capital estrangeiro chegando a
1% do PIB após a estatização da YPF, caso já tratado no blog, o que inviabiliza
novos investimentos em áreas estratégicas como a de energia.
Um dos problemas mais agudos do atual
governo de Cristina Kirchner é a questão cambial, cujo mercado paralelo é de
imensa força com cotações 50% superiores as oficiais, em resposta aos impostos
restritivos à compra de moeda estrangeira em uma economia tradicionalmente
dolarizada. A inflação também é apontada como um grave problema, por não ser
reconhecida pelo governo, que diz estar medida em 10,8% em 2012, contra 25,8%
calculado por analistas de mercado.
Governo Brasileiro
Os objetivos relacionados à
influência do governo brasileiro nas negociações são dos mais variados,
compreendendo tanto fatores domésticos como de conjuntura internacional. O
preço do potássio subiu dez vezes durante a crise mundial de alimentos de 2007 e
2008. Como este mineral é um dos três nutrientes necessário para o crescimento
de plantas, o governo brasileiro vê como estratégia a meta de se tornar
auto-suficiente na questão de fertilizantes até 2020.
O investimento se constitui, também,
como estratégico no quesito das relações exteriores na região. São U$6 bi que
seriam muito bem vindos para a economia argentina, e por mais que este valor
seja concedido por uma empresa privada, a dissociação da imagem nacional da
empresa é difícil de realizar, o que traria uma bela moeda de troca para
concessões argentinas em outras áreas, como o cerco argentino aos importados
brasileiros.
Para reforçar esta ideia pautada no
exercício intervencionista brasileiro neste setor econômico, observa-se que o
mesmo aumentou desde que Roger Agnelli saiu do comando da Vale em 2011. Do
outro lado da moeda, investidores veem com maus olhos uma maior intervenção do
governo nas atividades da empresa. Preocupações sobre a revisão do código de
mineração brasileiro derrubaram em cerca de 25% o valor das ações da Vale em
2013. Sob este ponto de vista, utilizar a empresa como um instrumento para
prestar socorro à economia argentina seria ir longe demais.
Cronologia e fatos relevantes
A vale informou no dia 11 de março
sua suspensão das atividades na bacia do Rio Colorado. Desde então, as ações da
empresa tem sido concentradas nas negociações com o governo local permeada por
ordens de Justiça.
Aparentemente a empresa vinha
negociando o que viria a ser na verdade um acordo com as autoridades argentinas
para o desligamento dos 6000 trabalhadores atrelados ao projeto. A empresa
concordou em pagar 2,5 vezes o salário mensal de cada funcionário, por 5 meses,
como compensação. A resposta dos acionistas à notícia trouxe um aumento diário
de 1,4% na cotação da empresa.
Um grande banho de água fria para as
negociações viria coincidentemente com um encontro entre a presidente Dilma e a
presidente argentina Christina Kirchner no dia 25 de abril. O timing do anúncio
com a reunião das duas representantes de Estado foi considerado um absurdo,
segundo o assessor para assuntos internacionais da presidência, Marco Aurélio
Garcia.
Negociações entre Cristina Kirchner e
Dilma Rousseff
O atual presidente da Vale, Murilo
Ferreira, afirmou na quinzena seguinte ao anúncio do acordo que não existe
solução a vista para a empresa, afirmando que “o processo vai demorar”. Isso se
dá, segundo ele, pelo fato da empresa não ter um plano “B” para este tipo de
atuação, sendo o Rio Colorado o grande projeto nessa área para a mineradora, e
também pelo fato da empresa se encontrar atualmente na fase de formulação do
planejamento estratégico de 2013. A procura de uma nova alternativa só seria
iniciada após consulta com acionistas.
Por mais que a Vale possa querer
vender a mina, fazê-lo seria muito difícil sem subsídio do governo argentino, e
este que como já visto não tem condições para tal empreitada. Entretanto, vale
salientar a existência de concorrentes nesta atividade que veem a saída da Vale
deste projeto como uma grande oportunidade. A Verde Potash é uma empresa
fundada por brasileiros e listada na bolsa de Toronto. Ela desenvolve um
projeto de exploração de potássio no valor de US$2,3 bilhões em Minas Gerais,
cuja produção deve chegar a 3 milhões de toneladas em 2015.
Ainda no quesito de alternativas, no
mesmo dia em que foi anunciada o acordo com os trabalhadores, o governo
argentino propôs exportar o mineral pelo Chile, o que evitaria investimentos na
construção da linha ferroviária e porto.
A nova estratégia do governo
argentino espera mudar a situação da negociação ao convocar o Ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva para mediar com o governador de Mendoza, Francisco
Pérez. Segundo o último, Dilma e Lula “fazem parte da mesma equipe”.
Considerações Finais
A dinâmica da negociação é
emblemática ao mostrar a influência dos mais diversos fatores na determinação
dos resultados da negociação. Por exemplo, a queda do preço das commodities, do
desempenho econômico chinês e do otimismo dos investidores estrangeiros do
Brasil tem levado a cotação da Vale à seu menor desde 1999. Este fator somado a
dependência da designação dos rumos da empresa ao voto de seus acionistas
configura um obstáculo para a mesma concordar em continuar as operações depois
que os custos estimados dobraram.
A estratégia argentina de oferecer
alternativas, como a proposta pelo Chile e sondar empresas que estariam
interessadas em assumir os trabalhos é de extrema importância, tendo em vista
que a Vale não dispõe de um BATNA (Best Alternative to a Negotiated Agreement)
até o momento. Porém, grandes obstáculos estão no não reconhecimento dos órgãos
de estatística do governo argentino em relação aos índices de inflação e a
condução heterodoxa da política cambial, que não inspiram confiança na condução
das políticas e reversão dos quadros econômicos desfavoráveis.
Por fim, o pedido de mediação ao
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, admirado tanto pelas presidentes
Kirchner e Rousseff por seu passado como líder influente e exímio negociador,
se apresenta como uma estratégia arriscada. Se adaptarmos a teoria de análise
dos jogos de dois níveis de Putnam às circunstâncias dessa negociação, teríamos
como responsáveis pelo nível “nacional” da Vale e a “ratificação” da negociação
internacional, àqueles encarregados de elaborar o planejamento estratégico da
empresa. Sendo assim, quaisquer intervenções e influências de chefes de Estado
nos rumos da empresa não tendem a ser bem-vindas.
As decisões ainda estão para ser
tomadas, mas o pequeno tamanho do Win-set da Vale reduz em muito sua
flexibilidade de negociação e aumenta seu poder de barganha em frente as
influências do governo brasileiro e os avanços de propostas argentinas não
pautadas em grandes concessões, inviáveis em seu atual contexto econômico.
Quanto às aspirações políticas
brasileiras de influenciar a negociação para atingir fins condizentes com seus
planos de empreendedor político regional, estes talvez possam ser condicionados
a uma possível estratégia de parceria no que tange o financiamento dos
investimentos da empresa via BNDES.
REFERÊNCIAS
BANCO MUNDIAL. Argentina: Panorama Geral. Disponível em:
<http://www.bancomundial.org/es/country/argentina/overview>. Acesso em 15
de junho de 2013.
COSTA, Armando Dalla. La Vale dans Le nouveu contexte
d’internationalization des entreprises brésiliennes. Paris Editions, Eska, ISSN
1161-2770, n.54, avril 2009, p. 86-106. Disponível em:
<http://www.empresas.ufpr.br/vale.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2013.
G1 ECONOMIA. Vale suspende projeto de potássio Rio Colorado, na
Argentina. 11 de março de 2013. Disponível em:
<http://g1.globo.com/economia/noticia/2013/03/vale-suspende-projeto-de-potassio-rio-colorado-na-argentina-1.html>.
Acesso em 16 de junho de 2013.
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